“Ser feia já é ruim, mas ser feia é pobre é pior ainda”. Estamos no fim do século 18 e no começo do século 19, e Jane Austen está escrevendo/revisando Orgulho & Preconceito. Entre os diversos personagens, muitos essenciais para que a história termine como ela termine, Jane Austen cria Mary Bennet. A irmã do meio. As duas mais velhas são Jane e Elizabeth. A mais bela e a mais inteligente. As duas mais novas são Lydia e Kitty. A mais “problemática” e a que segue atrás dela. Mary parece sobrar entre essas quatro mulheres, ou melhor, duas duplas. Nenhuma delas inclui Mary. Pelo contrário, em algumas ocasiões parecem se esforçar pra que a irmã do meio sinta-se uma estranha no ninho.
Pra quem leu Orgulho & Preconceito, há de concordar comigo que Mary não faz nenhuma diferença para o desfecho do livro. Mas, se ela está ali, se Jane Austen decidiu que ela deveria fazer parte dessa família, dessa história, então não podemos descartá-la tão rápido. E acho que o fato de Mary estar presente nas duas adaptações mais conhecidas do livro - a série de 1995 e o filme de 2005 - prova o meu ponto. Afinal, a gente sabe: se tem personagem descartável, é nas adaptações audiovisuais que eles somem. Sem tempo, irmão!
É por isso que eu me interessei pelo livro ‘The Other Bennet Sister’ da autora Janice Hadlow. Publicado em 2020, ele é uma espécie de ‘spin off’ de Orgulho & Preconceito. Até mais que um spin off, pois aqui a gente conhece Mary desde que ela nasceu. Acompanhamos sua infância, adolescência, acompanhamos Mary sentindo-se mais e mais isolada dentro da família, e aprendemos a razão das atitudes as vezes moralistas de Mary em diversas cenas importantes de O&P. E, mais interessante, como esses momentos icônicos moldaram sua personalidade adulta e transformaram sua relação com as irmãs e os pais.
Como o próprio livro explica: não ter atrativos físicos deixa mais difícil arrumar um marido. E, se além disso, ainda for pobre, as chances são quase inexistentes.
Uma das partes mais interessantes da história de Mary é construída por Janice Hadlow a partir das dicas de Jane Austen. Vamos ao capítulo 22 de O&P, depois de Mr Collins ser rejeitado por Elizabeth Bennet e anunciar que em breve voltaria a visitar a família em Meryton:
“Ela (Mary) tinha uma opinião muito mais elevada sobre as habilidades dele (Mr Collins) do que qualquer uma das outras. Havia uma solidez nas reflexões dele que muitas vezes a impressionava, e embora não o considerasse tão inteligente quanto ela, pensou que se fosse incentivado a ler e melhorar a si mesmo por um exemplo como o dela, ele poderia se tornar um companheiro muito agradável”
Pobre Mary. Toda e qualquer esperança que ela tinha em se casar com Mr Collins é rapidamente despedaçada em seguida - pois Charlotte Lucas anuncia que é ela que se tornará Mrs Collins.
Em O&P, essa sugestão de que Mary pensa que pode ser a esposa de Mr Collins, é bastante sutil e acontece rápido. Janice Hadlow pega essa ‘dica’ e faz essa situação um dos pilares da sua narrativa. Ela nos mostra Mary tomando coragem para conversar com a mãe e pedir que ela dê um ‘empurrãozinho’ em Mr Collins - uma conversa desagradável e sem sucesso, como já sabemos. E, muitos anos depois, com Mr Bennet já falecido e os Collins morando em Longbourne, Janice Hadlow leva Mary Bennet de volta a casa onde nasceu e cresceu, como hóspede do casal, gerando uma tensão super bem desenvolvida entre ela, Charlotte e Mr Collins.
Tudo isso que escrevi apenas pra falar que Mary Bennet como protagonista está muito bem em ‘The Other Bennet Sister’. Não deve ser nada fácil desenvolver uma história a partir de Jane Austen, mas Janice Hadlow cumpriu essa tarefa. Desde então, Mary tem toda minha simpatia e atenção.
Que legal, colocarei na minha lista a ser lido ❤️